Ah, as pessoas.

A mãe que reclama das regalias dos refugiados é a mesma que brada que o filho teve muita coragem em emigrar. O desempregado que prefere ficar com o cu sentado no sofá enquanto recebe subsídios é o mesmo que dirá à boca cheia no café, vendo as manifestações dos professores na televisão, que anda uma pessoa a pagar impostos para isto. O homofóbico que desanca de alto a baixo os anormais que são os paneleiros é o mesmo que se excita noite adentro frente ao computador vendo outros homens a bater punhetas e que dirá à esposa que ficou até tarde na sueca. Os pseudo-depressivos que vão coitaditos a pedir uma baixa médica ao senhor doutor são os primeiros a criticarem as greves dos enfermeiros. As velhas que não largam a igreja são também aquelas que mais mal-dizem as vizinhas. Os cobardes haverão de olhar e calar as injustiças, dizendo ao mesmo tempo que estavam tristes, tamanha dor no peito, mas ai daqueles se fosse uma filha ou uma neta deles. Os riquinhos que não entendem como é que a amiga se mete a jeito a colocar fotos das crias nas redes sociais mas que desatam a tirar fotos aos pretinhos de são tomé e se possível também com eles, tadinhos. O dono do restaurante que não passa factura, dizendo que os políticos são todos uma mesma cambada de ladrões. Melhor, taxas de abstenção às urnas de voto de bradar aos céus mas, deus, o insulto maior é mesmo que se jante ao lado dos restos da Amália. E aquele ultraje do hotel que tinha um tapete com a bandeira nacional? É a gozar, só pode. A junta de freguesia que proíbe queimadas, porque já se sabe, o drama dos incêndios, é aquela que vai lançar fogo de artifício no fim-de-semana em honra de são sebastião, que os outros têm outras preocupações com que se ocupar. Os turistas fazem muito mal à habitação local mas, se vierem para o websummit, somos todos webparolos em euforia. Making Portugal great again. O senhor taxista não é racista mas um grupo de pretos na sua viatura é que não pode ser, tem de abandonar, consulta às quatro. Estrangeiros em Portugal, isso é que era bom, já tivemos kosovaros e romenos que chegue mas, se forem brasileiras que sirvam p'ra prostituição, para nos fazerem a depilação, ou para os alisamentos ao cabelo, até conseguimos criar aí um visto gold ao domingo. Finalmente, o exemplo mais perfeito da hipocrisia, o universo feminino tão cheio de contradições e, por isso, tão fascinante. Um pouco como aquelas mulheres que dizem que o mais importante numa relação é a sinceridade e a seguir fingem orgasmos.

(depois de ver esta notícia, que deveria ser um caso de orgulho mas, lêem-se os comentários no Facebook, e percebe-se logo tratar-se de um engano. Era, afinal, um caso de ignorância, a nossa. No caixão, ouve-se ainda a voz do tio J’quim: “a vida tá boa é p’ra vocès”. Não falha.)

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